Victim Support Europe lança policy paper: “Transformar a forma como comunicamos com as vítimas”
O Victim Support Europe acaba de publicar um novo policy paper, “Transformar a forma como comunicamos com as vítimas”, que visa reforçar o acesso das vítimas de crime à informação.
O Diretor Executivo do Victim Support Europe (VSE), Levent Altan, afirma que o policy paper desenvolvido no âmbito do projeto Infovítimas III, coordenado pela Associação Portuguesa de Apoio à Vítima (APAV), é “um excelente passo para melhorar a vida das vítimas de crime, as atitudes têm que mudar”.
Relatos de diversas vítimas de crime, um pouco por toda a Europa, revelam desafios persistentes no acesso a informação adaptada às suas necessidades, quer seja no acesso a serviços de apoio quer durante a sua participação no processo penal. As vítimas de crime experienciam perdas, lesões e trauma. Quando a informação não lhe é prestada, ou não o é de forma adequada (por exemplo, muita informação é disponibilizada de uma só vez, ou numa linguagem complexa, o que pode criar confusão), pode gerar-se ansiedade ou trauma adicional, o que leva a que a vítima se sinta excluída do sistema de justiça.
Em 2012, a Diretiva das Vítimas da UE estabeleceu um conjunto de direitos relativos à informação, incluindo o direito a receber informação sobre o processo ou o de beneficiar de serviços de interpretação e tradução, entre outros.
Contudo, apesar de todos os progressos alcançados, persistem inúmeros desafios no acesso efetivo a informação que a vítima compreenda e sobre a qual possa agir. Resultados preliminares do projeto BENEVICT, liderado pelo VSE e que se encontra a aferir o estado-da-arte da implementação da Diretiva das Vítimas em 27 Estados-Membros da UE, indicam que “apesar da obrigação de prestar informação estar vertida na legislação nacional de quase todos os Estados-Membros, as vítimas não recebem informação completa ou que consigam compreender”.
Levent Altan, do VSE, considera este novo policy paper uma ferramenta extremamente útil para apoiar governos, assim como profissionais que diretamente contatam com vítimas de crime e demais partes interessadas, na sua missão de assegurar que a informação, mais do que transmitida, é efetivamente comunicada. “A informação deverá ser o centro de um sistema de apoio às vítimas de crime que seja eficaz e seguro. Permite que as vítimas acedam quer a serviços de apoio quer ao sistema de justiça, bem como ajuda a prevenir situações de vitimação secundária. Apesar dos progressos alcançados nas últimas décadas, observamos que o atual mecanismo de informação às vítimas sobre os seus direitos não funciona e não endereça as suas necessidades, o que demonstra ser necessária uma alteração de paradigma na forma como o direito à informação é abordado e implementado”, declara Altan. “Os desafios que observamos impedem que as vítimas compreendam a informação que lhes é prestada e, consequentemente, a forma como agem sobre a mesma. Significa que precisamos passar da prestação de informação para uma comunicação efetiva.”
O policy paper pretende analisar os desafios com que as vítimas se deparam e procurar soluções efetivas para os colmatar. As recomendações traçadas incluem orientações sobre como comunicar as vítimas de um crime, bem como a implementação de soluções práticas, como por exemplo, a utilização de plataforma digitais onde as vítimas possam aceder a informação sobre o processo, para além de uma abordagem sistémica à prestação de informação em torno da comunicação.
Frederico Marques, da APAV, que coordenou o projeto Infovítimas III, afirma: “O que precisamos é de mudar atitudes e formas de pensar. A prestação de informação às vítimas é frequentemente vista como uma sobrecarga administrativa, subestimando-se o impacto que poderá ter nas vítimas, na sua recuperação e participação no sistema de justiça. Olhar para o direito à informação na perspetiva da comunicação permitir-nos-á analisar se a informação é percebida pela vítima, o que é necessário para que não só melhor possa processar a informação prestada, mas também utilizá-la. Esta mudança de pensamento é imperativa se quisermos assegurar que a vítima acede a serviços de apoio e ao sistema de justiça.”
Os nossos sistemas de justiça têm evoluído ao longo dos anos, mas o processo penal permanece e apresenta-se como complexo e pouco familiar para as vítimas. As vítimas sentem-se, assim, excluídas de um processo que intimamente se relaciona com a sua vida e as suas experiências.
Para que se alcancem mudanças, a prestação de informação precisa de estar integrada num sistema mais abrangente de comunicação que se foque em sobre como e se a informação é compreendida, que defina que informação deve ser partilhada com as vítimas, como e por quem, que estabeleça padrões de qualidade, bem como um enquadramento e mecanismos necessários para assegurar coordenação.
“Muitos polícias e outras autoridades que contatam com vítimas de crime estão a fazer o seu melhor para as informar e apoiar. O problema é que a qualidade da informação depende da pessoa que a disponibiliza, na sua formação, capacidade de comunicação e sensibilidade para com as necessidades das vítimas. Isto cria um sistema fragmentado com inconsistências e desigualdades entre vítimas, dependendo de onde estão e com quem falam”, admite Altan.
Altan ressalva a importância do sistema de comunicação estar integrado num Sistema Integrado de Apoio às Vítimas, que coordena as ações e respostas de diferentes setores-chave com um papel importante na recuperação das vítimas de crime: “Agora que publicámos o documento “Transformar a forma como comunicamos com as vítimas”, a prioridade do VSE será tornar as recomendações uma realidade. Consideramos que constitui, efetivamente, um primeiro passo para assegurar que a Comissão Europeia publica a revisão da Diretiva das Vítimas durante os próximos meses, reforçando o direito das vítimas à informação e todas as obrigações que pendem, nesta matéria, sobre os Estados-Membros. Trabalharemos em conjunto com os governos nacionais e organizações de apoio à vítima para apoiar quer na compreensão destas recomendações quer na sua implementação prática. Não obstante as alterações legislativas serem fundamentais, o motor das mudanças necessárias está na transformação de práticas no terreno e em apoiar todos/as os/as profissionais nesta demanda. Acreditamos que só assim poderemos produzir mudanças na vida das vítimas”.
Policy paper: “Transformar a forma como comunicamos com as vítimas”